Indústrias Culturais e Criativas: fluidez e grandeza

Quanto mais ouço falar sobre as Indústrias Culturais e Criativas em Moçambique, mais tenho a impressão de que ainda não estamos suficientemente claros sobre o que incluir ou deixar de fora. E como este sector virou tendência, os discursos vão se multiplicando, confundindo a todos nós. Embora compreenda que esta confusão seja normal, dado o facto de tratar-se de um conceito relativamente novo entre nós, trago aqui mais uma perspectiva para auxiliar no debate. E aqui quero explorar a questão a partir da dimensão: que sectores fazem parte destas indústrias culturais e criativas? E como reconhecê-las? Talvez nomear pela descrição nos ajude, um pouco mais, a separar o trigo do joio.

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Tal como já tive oportunidade de partilhar em vários fóruns, o conceito de Indústrias Culturais e Criativas, tal como o é o conceito de cultura, este conceito é caracterizado por grandeza e fluidez na sua conceptualização, bem como no que deve significar. Dada a fluidez que lhe é característico, muitos Estados no mundo optaram por um conceito misto e composto, combinando indústrias culturais, por um lado, e indústrias criativas, por outro, resultando em “indústrias culturais e criativas”, ou “indústrias criativas e culturais”, ou ainda “indústria criativa e cultura”. Este é o caso, por exemplo, de Moçambique e China que optaram pelo composto.

Embora Moçambique, sob o ponto de vista de política cultural não tenha definido o que são estas indústrias culturais e criativas, julgo ser da conceptualização que permite uma designação mais pacífica do fenómeno da exploração económica da arte, da criatividade e da cultura. Em contribuição a definição do conceito, no Livro “Indústrias Culturais e Criativas: O Que São? Como Geri?”, o sector é definido como sendo “um conjunto de sectores de actividades com uma cadeia de valor baseada no talento e na habilidade individual, alicerçada no património cultural das suas comunidades, com potencial para a geração de renda e exploração da propriedade intelectual.” (Muocha et al, 2020: 31).

Mas então o que compõe este conjunto de sectores das indústrias culturais e criativas? Pessoalmente, e decalcando de outros pensadores deste campo de conhecimento como o estudioso O’Connor (2010), vejo três grupos de sectores das indústrias culturais e criativas. O primeiro é o grupo de domínio artístico, onde fazem parte as indústrias artísticas, nomeadamente, a indústria da música, a indústria do teatro, a indústria da dança, a indústria da literatura e/ou do livro, a indústria cinematográfica, a indústria das artes plásticas.

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O segundo é o domínio da indústria criativa, constituído pela indústria da arquitectura, indústria do design de moda, indústria gráfico e de comunicação, indústria do design de produto e de equipamento. O terceiro grupo é domínio das novas tecnologias, o qual é constituído pela indústria dos softwares/aplicativos, indústria de jogos, indústria dos serviços digitais, tal é o caso dos streamings.

À esta altura o leitor deve estar à procura de compreender a nomenclatura “indústria” a partir da construção imagética de uma “chaminé cheia de fumaça”. Penso que não é por aí. Compreenda-se por indústria, recorrendo a Irving Rein, Philip Kotler e Martin Stoller (99, p. 25-26) “um conjunto de pessoas, materiais, equipamentos e processos que colectivamente produzem algo que tenha valor a um mercado”. E o processo produto, na contemporaneidade, significa, tal como reforça o relatório Digital Economy da UNCTAD, a intangibilidade dos processos de criação, produção, distribuição e consumo de mercadorias.

Obviamente estas classificações construídas para nomear os diferentes sectores das Indústrias Culturais e Criativas são absolutamente discutíveis. Porém a centralidade das habilidades e dos talentos individuais para a geração de renda e postos de trabalho é inquestionável nas economias actuais, daí a associação de todos os sectores das indústrias culturais e criativas emergir na literatura académica e nas políticas das nações como economia criativa, uma fase posterior deste(s) conceito(s). A análise deste fenómeno, da economia criativa, permite compreender a existência de uma multiplicidade de sectores produtivos que são responsáveis pela movimentação de milhares de dólares em todo mundo, e cuja participação de Moçambique é diminuta, e/ou desconhecida.

 

Texto originalmente publicado na segunda edição da InCult - Revista de sobre Indústrias Culturais e Criativas.

Matilde Muocha

Matilde Muocha é gestora cultural, docente e editora da Incult - Revista sobre Indústrias Culturais e Criativas. Pós-Graduada em Gestão de Cidades e Empreendimentos Criativos e Mestre em História de Moçambique e de África Austral. Doutoranda em Cultural Policies and Management pela University of Witwatersrand.

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