Porquê a personalidade da Tmcel parece inconsistente

A Moçambique Telecom (Tmcel) nasceu formalmente em finais de 2018, resultado da fusão da Moçambique Celular (mcel) e Telecomunicações de Moçambique (TDM). Como em qualquer processo de mudança, pareceu inevitável pensar sobre como é que a nova empresa passaria a se posicionar diante dos seus clientes, pois, então de um novo conjunto se serviços, talvez mais robustos, já que tanto a TDM, assim como a Tmcel, constituíram umas das gigantes nos serviços de comunicação no país e por muito tempo tiveram um grande monopólio no sector.

Discurso do PCA na tomada de posse dos Directores de Função, 2018

Gosto de imaginar as marcas como pessoas. Os clientes se relacionam com as marcas como se fossem pessoas. Constroem sentimentos por elas, criam confiança por elas, memorizam os seus nomes, o seu estilo, o tom de voz, o seu cheiro. Se as pessoas amam as marcas pelo seu comportamento e serviço prestado, podem odiá-las pelas mesmas razões. A grande diferença entre as marcas e as pessoas é que, enquanto as pessoas nascem, as marcas são criadas e a sua personalidade é um processo que se afirma ao longo do tempo.

Graficamente, se uma pessoa é consistente, provavelmente não a representaremos com um tipo de letra fino e itálico, por exemplo. Uma pessoa tradicional, possivelmente não seria traduzida por cores berrantes. Quanto mais definida e consiste for a representação, o provável é que seja fácil identificá-la, memorizá-la e também fica fácil ser conduzido para o público certo.

Com a mudança do nome e a associação de serviços de duas empresas, terá também havido uma alteração ou mudança radical na estratégia da marca, o que geralmente é posteriormente traduzido (também) por meio da expressão gráfica da marca. Ou seja, a estratégia enquanto parte do núcleo do funcionamento da marca pode ser expressa por meio de uma linguagem visual, que é, o que move o pensamento deste texto, cujo foco é avançar em um exercício de análise, reflexão e explicação de porquê penso que a personalidade da Tmcel parece inconsistente, no olhar de quem faz a leitura por fora.  

O caso de Moçambique, especificamente da fusão a que me referi e muitos assistimos, não é o primeiro no mundo. A Oi anteriormente conhecida como Telemar, uma concessionária de serviços de telecomunicações do Brasil e a maior operadora de telefonia fixa e a quarta maior operadora de telefonia móvel do Brasil, apresentou em 2016 a sua primeira grande mudança de marca desde 2002, quando mudou de nome.

A Vodafone anunciou no último semestre de 2017 o novo posicionamento da sua marca, da identidade visual e do seu slogan. A estratégia está presente nos 36 países em que a Vodafone opera, pensada “para destacar a crença da Vodafone de que as novas tecnologias e serviços digitais desempenharão um papel fundamental na transformação da sociedade e na melhoria da qualidade de vida das pessoas”.

A Bharti Airtel Limited, também conhecida como Airtel, uma empresa indiana de serviços globais de telecomunicações com sede em Nova Délhi, na Índia a 18 de novembro de 2010, renomeou sua marca na Índia na primeira fase de uma estratégia global de renomeação de marca, lançou um novo logotipo com “airtel” escrito em letras minúsculas.

 

O caso da Tmcel

A Moçambique Telecom, Tmcel é a empresa resultante da fusão das extintas Telecomunicações de Moçambique (TDM) e a Moçambique Celular (mcel). A operacionalização da decisão implicou na partilha de recursos financeiros, tecnológicos e humanos, da gestão empresarial e de instalações. A nova empresa definiu: Foco no Cliente, Integridade, Inovação, Excelência, Boa Governação e Sustentabilidade como sendo os seus pilares e como visão: Liderar a transformação digital em Moçambique, fornecendo soluções tecnologicamente avançadas de comunicação, no país e na região.

Para além do nome e da assinatura visual e identidade visual alterados, a Tmcel adoptou um novo slogan para substituir o anterior “Estamos Juntos”, da mcel, e passou para “Juntos comunicamos e desenvolvemos Moçambique”.

Anatomia da assinatura visual da Tmcel

A assinatura visual (logo[1]) Tmcel parece uma tentativa clara de não se distanciar do que era a mcel. Algumas diferenças são observáveis: na Tmcel, a inicial é maiúscula, apesar de ter a mesma altura que as restantes letras. Sua espessura parece mais fina, dando a sensação de ser menos robusta, se comparada ao anterior. As letras apresentam terminações curvas. Ainda, provavelmente uma intenção de informar sobre o nome completo da empresa, aparece em letras light a escrita «Moçambique Telecom, SA». Outro elemento alterado foi a forma habitual do sorriso original.

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Porquê a identidade visual da Tmcel parece inconsistente?

ARGUMENTO 01: A forma não parece responder à ideia expressa na visão e estratégia de negócio

O processo de naming, por ser sensível, leva muito tempo, que envolve pesquisa e experimentações. Não sei até que ponto o processo de naming foi profundo. Provavelmente a manutenção da parte “mcel” seja resultado do respeito e reconhecimento que esta tinha e não se queria perder isso. O grande risco nestas nestes casos é que, as pessoas simplesmente odeiem a marca que seja uma espécie de readaptação da primeira, porque ela não tem vida própria, como alguém que simplesmente é réplica da outra e apenas dobra a camisa para parecer diferente. Esse reajuste no nome foi, provavelmente a razão principal para que o autor do projecto tentasse também manter os traços gráficos anteriores, o que a meu ver foi uma tentativa que não resultou, se olharmos para o que parece ser a filosofia actual. Havia necessidade de mudar, mas houve um medo da mudar ou então não se deu tempo suficiente para que essa mudança acontecesse.

Em termos gráficos, não sei até que ponto é que a letra maiúscula na mesma altura que as minúsculas pode ser eficaz e se de facto vale a pena. Está expresso um receio de assumir que poderia se iniciar escrevendo com maiúscula o nome da empresa e mesmo assim está lá. O medo de mudar resultou, no meu ponto de vista, na distorção do valor da marca anterior: mcel, e não na criação de valor para a Tmcel. A identidade visual manifesta um pensamento com o público, se ela falha, então falhou também a comunicação da essência do que a empresa é. Este pode ser um provável caso.

As terminações da forma lembram uma espécie de tubos. Não parece expressar liderança, e não está patente que a empresa herda a história mais antiga da comunicação móvel em Moçambique. Lê-se, enquanto visão: Liderar a transformação digital em Moçambique, fornecendo soluções tecnologicamente avançadas de comunicação. O que não se sente na expressão gráfica. Suas terminações não são de quem está na dianteira, nem tão pouco associadas a transformação digital e soluções tecnológicas que são mencionadas. E com a deformação feita, o belo sorriso por baixo do “m” morre, restando apenas um tubo em forma de arco falando alguma coisa que para mim continua abstracta.

Em várias ocasiões Sagi Haviv, sócio da empresa de design Chermayeff & Geismar & Haviv defende que um bom logotipo deve ser: apropriado para o conceito, distinto e memorável e simples. A proposta que é actualmente usada pela Tmcel, parece, a meu ver, que falha, pelo menos no primeiro item: apropriado para o conceito.

 

ARGUMENTO 02: A cor de fundo desconecta-se com as pessoas

A cor amarela teve sempre bons argumentos na sua aplicação pela mcel. A ideia do verão, do sol, do calor, típico de Moçambique. Esta, aparentemente era a cor principal, e ocupava maior superfície na comunicação da empresa em combinação com uma espécie de verde-azulado ou azul-esverdeado. A cor amarela pode ser brilhante e intensa e, por isso, pode invocar sentimentos fortes, pode chamar a nossa atenção rapidamente. De certo, se perguntadas, sobre qual é a cor da mcel, as pessoas respondem: amarelo. Porque está impregnada nas suas memórias. Se responderem o mesmo para o caso da Tmcel será porque tem a imagem da mcel e não porque esta teve força suficiente para grudar-se na memória das pessoas.

A Tmcel adopta um verde-escuro, que parece herdado da TDM, e sobrepõem a esta o texto em amarelo. O que apaga toda energia real da marca, para além de que suas concorrentes estão associadas a cores memoráveis, populares, vivas: vermelho e laranja. Sente-se aqui de facto a ideia de fusão, dos elementos visuais, inclusive, o que coloca a marca diante de um buraco escuro.

O amarelo para além de dar a entender ser secundária, não é constante. Apresenta variações quase sempre, dando sensação de que cada um que cria alguma peça da empresa escolhe a cor que quer e que lhe agrade. É possível encontrar, de um amarelo aceso a um esverdeado, bastando para isso observar.

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ARGUMENTO 03: A tipografia anda nas dúvidas

Para além da própria forma da escrita Tmcel, nota-se uma tipografia que vai sendo usada no material de comunicação, e, parece, a mesma a que era usada pela mcel. O que acontece é que esta em nenhum momento tem conexão com o logo Tmcel. Mas também, um outro problema é que há variação na aplicação tipográfica. Tornando toda comunicação inconstante. Em alguns casos os títulos aparecem em uma variação light, que parece diferente da tipografia usada em bold ou black.

Provavelmente a ideia de ter as letras todas em minúsculas da mcel era um caminho para mostrar e criar intimidade e proximidade com as pessoas. Que tradução pode se dar à intromissão do “T” em maiúscula, fazendo esforço para se encaixar na altura das restantes letras? Como um gigante que tenta se dobrar para parecer uma pessoa normal.

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ARGUMENTO 04: As aplicações são inconsistentes

As aplicações são inconsistentes. Em uns casos pode se ver algo que é de facto a mcel e noutros elementos que parecem baseados nas terminações circulares. O próprio site da empresa não é uma expressão da inconsistência a que me refiro. O texto com serifa, outro material sem serifa, algumas peças são da mcel, outras da TDM…

O slogan adoptado não aparece regularmente no material. A grande questão é: como vai ser lembrado, se nunca aparece?

Em seu livro “Design gráfico e digital – prática e ideias criativas” Carolyn Knight e Jessica Glaser afirmam que: “Se um cliente deseja se beneficiar da boa reputação de uma grande indústria, é importante que os códigos visuais dela sejam claramente reconhecidos e, em alguns aspectos explicitamente inclusos na identidade que você vai desenvolver.” E ainda acrescentam, o que de algum modo sintetiza todo o pensamento deste texto: “O que faz um brand um brand é o conjunto de nome e logotipia [ou seja uma marca] que reúna e comunique esta característica única, e é isso que torna uma organização altamente competitiva.”

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 ARGUMENTO 05: O slogan é longo e distante das pessoas

Entre “Estamos Juntos” e “Juntos comunicamos e desenvolvemos Moçambique”, há de certeza uma grande distância. É certo que parece uma tentativa de levar a herança do também slogan da TDM “Pôr as pessoas a comunicar e a desenvolver Moçambique”, mas é uma tentativa ineficaz do meu ponto de vista, porque, apesar de expressar a ideia de comunicar e desenvolver, ela facilmente pode ser esquecida pelas pessoas. Eu mesmo li e tentei recordar. Todos os dias as pessoas dizem “Estamos Juntos”. O slogan trouxe um ar extremamente tradicional, o que, mesmo que tenha os melhores serviços não é expresso. Ainda, não parece um slogan inclusivo e flexível, se comparado com o anterior ou com os actuais concorrentes.

Os serviços oferecidos pela empresa não são apenas direccionados a uma camada social, mas para todos. Daí, o slogan deveria pensar nestas pessoas. “Estamos Juntos” era e continua sendo pronunciado por crianças, jovens, adultos e idosos. Para além de que se há de facto uma estratégia de marca definida, então todos elementos, visuais e verbais deveriam estar em sintonia constante.

 

Considerações

É claro que pensar na Tmcel, no seu estado actual, no que diz respeito a identidade visual da marca, implica automaticamente pensar no que já foi a mcel. Estou firme que a ideia de “Não se pode julgar o livro pela capa” fracassa, porque mesmo quando o serviço é bom, precisa de ser bem embalado para vender. A expressão gráfica da Tmcel é uma tentativa mal sucedida de desejar fundir, na sua verdadeira expressão, duas empresas de comportamentos diferentes. Existiriam, a meu ver, dois caminhos: o primeiro, poderiam ser os recursos, conhecimento e tudo que pudesse ser útil, da TDM a passar para a mcel, mantendo o nome, melhorando a sua gama de serviços e reforçando a sua comunicação, sem a necessidade de mudar, nem o nome, nem a identidade visual, caso estivesse alinhada com a estratégia e com os objectivos, a segunda alternativa seria mais radical e de maior investimento; pensar tudo de raiz, recorrendo aos recursos das duas empresas, tal como foi o caso da Telemar para Oi.

A personalidade actual da Tmcel não é firme. Por isso, a mim parece importante que se repense sobre como conectar-se de facto com as pessoa, como traduzir a estratégia de marca e comunicá-la com eficácia usando os recursos de design. Pensar em um slogan mais próximo das pessoas, também parece necessário. Enquanto isso não ocorrer, a empresa se manterá a funcionar, entretanto, os clientes da mcel continuam a se considerar da mcel e os da TDM o mesmo, porque a Tmcel, no quesito comunicação ainda não foi capaz de apagar as suas origens e construir o seu próprio corpo e carácter, mas se isso acontecer, acredito, a empresa será capaz de ganhar corpo e personalidade próprios e passar a ocupar o espaço que durante anos foi criado pelas duas empresas que a antecederam, deixando assim de parecer uma mera cópia de diferentes peças e uma tentativa forçada de conectar dados incompatíveis.



[1] Linguagem coloquial para referir-se a marca comercial ou assinatura visual.

Mélio Tinga

Mélio Tinga é designer de comunicação, escritor e professor. Editor-chefe da DEZAINE, co-fundador e director executivo da DESIGN Talk e da DEZAINE Conference. É formado em Educação Visual pela Universidade Pedagógica.

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