Design em Moçambique: entre a resolução de problemas e produção de sentido. Onde nos encontramos?

De acordo com Manzini (2017), pessoas que desejam conversar sobre design, ou, mais especificamente, sobre o que o design faz, em geral, partem da definição que Herbert Simon apresenta em seu livro clássico The Science of the Artificial. Escreve ele que o design “está voltado para o modo como as coisas devem ser – como elas devem ser afim de atingir metas e de funcionar”. A interpretação mais imediata e comum dessa afirmação liga o conceito de design ao conceito de solução a problemas e vê o design como um solucionador de problemas, um agente para solucionar problemas em todos os níveis, desde os encontrados na vida cotidiana até aqueles em uma escala global. Essa interpretação daquilo que o design pode fazer, embora importante e amplamente expressa, não é a única: podemos também falar de design afastando-nos dessa abordagem, orientada a problemas a resolver, e focalizando uma definição que acentua o seu papel no campo da cultura e, portanto, da linguagem e do significado.

Entretanto, para este autor, a possibilidade e a legitimidade desta dupla definição estão embasadas no fato de que o design, como todas as atividades humanas e todos os produtos da atividade humana, pode ser considerado em dois mundos: o mundo físico e biológico (onde os seres humanos vivem e coisas funcionam) e o mundo social (onde seres humanos dialogam e coisas engravidam de possíveis significados). Descrever o design como um solucionador de problemas significa considerar o seu papel no primeiro mundo (físico e biológico); mas, quando o consideramos como produtor de significados, estamos situando-o no segundo (naquele dos sentidos e dos diálogos que os produzem).

À vista disso, muito longe de ser minha intenção discursar sobre a longa história do design neste artigo, acredita-se que várias mudanças importantes e notáveis ocorreram durante o percurso de evolução do design, que valem a pena aqui enunciar e assim cruzar com as questões centrais do artigo. Conforme Dunne & Raby (2013) durante os anos 80, o design tornou-se hiper-comercializado de tal forma que papéis alternativos para a própria foram perdidos. Designers de orientação social, como Victor Papanek, que foram celebrados na década de 1970 já não eram considerados interessantes; eles eram vistos como fora de sincronia com o potencial do design de gerar riqueza e fornecer uma camada de design de brilho para todos os aspectos das nossas vidas diárias. Mas no entanto, houve algo de bom nisso – o design foi abraçado por grandes empresas e entrou no mainstream mas apenas de maneira superficial. O design tornou-se totalmente integrado no modelo neoliberal do capitalismo que surgiu durante a década de 1980, e todas as outras possibilidades de design foram logo vistas como economicamente inviáveis ​​e portanto, irrelevantes.

The Throne of the Shining Dream - Gonçalo Mabunda, 2016 (Produção de Sentido)

The Throne of the Shining Dream - Gonçalo Mabunda, 2016 (Produção de Sentido)

Contudo, olhando para o contexto moçambicano, se pode considerar que o design teve as suas origens e bases fundadas na cultura gráfica, ou seja, no design gráfico. Sendo que até aos dias de hoje, o campo mais amplo e mais firme de domínio em termos de prática de design em Moçambique, ainda tem sido o campo do design gráfico. Assim, atendendo que atualmente mais áreas do ramo do design já estejam se estabelecendo no cenário da indústria criativa moçambicana, com particular destaque para a cidade de Maputo, no campo do design de moda e design de produtos, numa mesma perspectiva, o design tem se orientado e se desdobrado para a geração de novos conhecimentos científicos também em universidades locais. Porém, até este momento me parece que o estado cognitivo do design tem ainda se mantido coberto por um pano de dúvidas, pois somente se desenrola no domínio visual, intrinsecamente relacionado com a experiência estética e menos com o campo discursivo. 

Portanto, sobre o campo discursivo mencionado acima, posso considerá-lo ou substituí-lo por “produção de sentido”. Um bom exemplo de boa abordagem desta dimensão, pode ser encontrado (ainda que inconscientemente) em algumas obras do renomado artista plástico moçambicano, Gonçalo Mabunda. Ainda que seja um produto material artístico, a obra deste artista atravessa muito bem o campo do design em dois (2) aspectos: em primeiro, ao projetar um artefato móvel e funcional (cadeira), respeitando minimamente as regras vigentes de conceitos ergonômicos e antropométricos a nível de design; e em particular para o segundo, ao fazer o reuso de armas usadas no contexto de guerra civil de durou dezasseis anos em Moçambique, para dessa forma instigar as pessoas a refletirem sobre a questão humana e sobretudo a não se esquecerem do evento, criando assim uma fantástica produção de sentido (Figura 1).

No que tange à segunda dimensão, que corresponde à resolução de problemas, me proponho a sugerir intervenções projetuais a nível sócio-locais, onde não faltam questões (problemas) por se solucionar. Pode-se tomar como exemplo de uma questão local, os “transportes públicos” a nível da cidade de Maputo. Hoje, em diversos países a questão da mobilidade urbana já não sofre interveções apenas de especialistas da área do urbanismo e da arquitetura urbana, mas também por intervenções directamente lideradas pelo design (BEVERLY and FARRELLY, 2007). Desta forma, ao se pensar sobre o transporte público a nível da cidade de Maputo, especificamente para o transporte “semi-coletivo”, visualizo um amplo espaço para a resolução de um problema capaz de ser liderado pelo design gráfico, e de forma sustentável, pois não envolve grandes custos. Me refiro a sistemas de sinalização padronizados, que orientem aos passageiros sobre os trechos e paragens que cada transporte “semi-coletivo” fará a cada viagem, incluindo também sistemas que orientem e informem a deficientes cegos, surdos e mudos. Creio que a resolução deste tipo de problemas ressaltem a importância do design na sociedade.

Como conclusão e ponto de reflexão: é possível que estas duas dimensões (resolução de problemas e produção de sentido) coexistam e interajam na concepção de projetos de design, a serviço e benefício da sociedade moçambicana?

 

 Referência Complementar

BEVERLAND, Michael B. and FARRELLY, Francis J. What does it mean to be design-led? Design Management Review. 2007.

DUNNE, Anthony & RABY, Fiona. Speculative Everything: design, fiction, and social dreaming. Massachusetts Institute of Technology. 2013.

MANZINI, Ezio. Design: quando todos fazem design. Uma imtrodução ao design para a inovação social. Editora Unisinos. São Leopoldo, RS. 2017.

SIMON, Herbert. A. Sciences of the Artificial. The MIT Press, Cambrigde MA. 1992.

 

Texto originalmente publicado na Revista DEZAINE, edição de Fevereiro de 2020

Autor: Juvêncio Gomes dos Santos - Mestrado em Design, pela UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, BR I Pesquisador em Design Estratégico

Anterior
Anterior

Prémio de imagem e texto sobre a Covid-19

Próximo
Próximo

O hiperrealismo nas esculturas de Ron Mueck