O papel do artista na sociedade - entrevista com Ildefonso

Barimu, 2020 na exposição Map utopias .

Numa conversa com Ildefonso Colaço, artista fotógrafo que nasceu a 12 de Junho de 1999, em Maputo. Ele partilhou connosco a sua perspectiva de arte em Moçambique e os motivos que tem influenciado para criação das exposições de artes em locais não convencionais. Assim como o seu processo criativo na entrevista conduzida pelo Aboubakar Bin.

 

Qual é o papel de um artista na sociedade?

Essa pergunta é subjectiva e nesse contexto da subjectividade, partindo do lugar e do meio em que estou inserido, acho que o papel de um artista parte dessa mesma subjectividade; como nós percebemos a arte, como nós vivemos a arte e como a arte é presente nas nossas vidas.

Para mim é sobre um papel cultural mas também de educação. Hoje temos os influencers e na arte existe um bocado disso – não propriamente o influencer como tal, mas tem esse lado da arte que é de ensinar e moldar uma sociedade. A muito tempo tu tinhas a música, que através dela os artistas podiam expressar-se e depois tens também a pintura e muitas outras expressões artísticas que são visíveis na sociedade. O artista carrega esse papel de moldar uma sociedade, de influenciar uma certa camada que ele deseja alcançar. No geral é isso, de forma superficial acho que é isso, pois existem aquelas camadas como as políticas; e também depende da forma que a pessoa vê a arte, como a arte influencia ou está presente na vida da pessoa podem existir outras questões mas para mim é sobre o papel cultural e social que nós como artistas temos – não diria obrigação, talvez dever. 

Como é que a sua arte (fotografia) influencia a sociedade?

Bem, tenho a certeza que o meu estilo de fotografia e as minhas reportagens ensinam na base de (hi)estórias porque eu gosto muito de (hi)estórias, gosto muito de conceitos e procuro explorá-los. Eu tento olhar e, ainda acerca do meio em que estou inserido, criar narrativas pelas quais as pessoas vão se sentir conectadas e posteriormente também serem influenciadas a criar algo. Porque, de alguma forma, vejo muitas coisas que são vistas como nada, mas eu pego buracos na parede e construo uma narrativa acerca. Primeiro busco mostrar que, propriamente não existe limite de algo, e que também tem esse lado da fotografia de não ser simplesmente ter algo bonito a tua frente e fotografar. Tu podes criar um conceito e a base nem é sobre a foto em si, mas o que está por detrás – o conceito que tu criaste. Eu acho que tenho influenciado mais do que ensinado que depois acaba sendo um ensinamento, porque tem esse lado que a pessoa fica inspirada a fazer o mesmo e dá continuidade. A coisa não termina comigo e a pessoa pode pegar aquilo e aplicar na sua própria cena por mais que não seja a fotografia, ou também ensinar a sociedade a ver o mundo de uma forma diferente e tenho também esse lado de construir ou também de (dês)construir, dependendo de como a pessoa vê a cena. É muito sobre isso, pegar cenas aleatórias do dia-a-dia ou que não serviam para nada no contexto e tentar ensinar e mostrar que tu podes criar, inovar, narrar, e desde o momento que a pessoa olha para aquilo e lê, aprecia tu já estás a ensinar porque a pessoa, sozinha, já agrega valor a aquilo, porque já não é simplesmente uma foto, mas é uma foto que conta uma estória e como estavas a viver uma história peculiar e que não é a norma e que também abre caminhos para as pessoas que vê.

Em uma das suas entrevistas disse: “As pessoas não têm o hábito de visitar as galerias”, as suas obras (desconstruir) pode ter algo a ver com isso, conte-nos um pouco. 

Acho que o hábito das pessoas não visitarem as galerias transcende a essa questão, para ser honesto, porque é muito mais como a arte foi construída. Há debates que questionam se a arte é ou não elitizada, e depois tens um lado a dizer que “sim” e outro a dizer que “não” e as coisas vão acontecendo. Muitas pessoas não têm o hábito porque não foram ensinadas, não existe nenhum ponto por onde começar. Se fores a ver as pessoas que visitam as galerias são as mesmas pessoas, são artistas, são amigos desses artistas, são familiares ou pessoa de uma certa camada. Não tens uma variação de pessoas, percebes? Da camada mais baixa, mas acho que hoje as coisas estão a mudar, tens muitas cenas a acontecerem nos bairros periféricos que se fores a notar é de onde saem quase todos os artistas mas essa arte é exposta na cidade onde muitas pessoas não têm acesso. 

Acho que o meu papel e o de muitos outros artistas seria tentar trazer isso para a comunidade, tentar fazer com que isso seja mais acessível e do ponto de vista visual, de mostrar a cena. Independentemente de como tu fotografas ou tens a tua obra, a tua arte construída, mas tentar fazer com que a tua obra seja mais acessível. Fazes uma exposição, mostras a cena na tua zona ou onde quer que seja fora desses lugares convencionais; assim tu estás a (dês)construir uma ideia ou narrativa em torno da arte como ela foi construída e como ela é mostrada, passas não só a mostrar mas a mostrar para um grupo específico que normalmente não tem acesso. E esse acesso é muito sobre a educação, é muito sobre essa ideia de eletização da arte ou não. Há pessoas que não entram na galeria porque pensam que elas não podem, não devem – acompanhei situações em que negarem de entrar porque galerias não era para elas, supostamente. E nosso papel como artista é esse e não só vender ou fazer para que um certo grupo de pessoas consuma, mas todos. 

Sei que já passou por várias experienciais em relação ao hábito de pouca gente frequentar as galerias que partilhou num dos nossos encontros. Conte-nos um pouco. 

A outra experiência do contrário é que quando tu vais a uma galeria e tu não és bem tratado, estás a ver! Eu assim sair e ir para uma galeria e as pessoas olharem-me mal: “esse gajo quer o quê? Nem vai comprar”. Isso muito por lado dos artistas que estão lá. É uma energia que tu sentes, não é algo dito com palavras mas tu sentes que a pessoa está mais preocupada em outras coisas do que ser apreciada; é mais sobre vender, é mais sobre ter os brancos. 

Tens a cena que já vivi no Núcleo de Arte, nem vou esconder isso, quando chegam brancos – eu digo brancos mesmo, prontos – tens eles a levantarem a quererem atender, perguntam o que querem, mas quando tu chegas tratam-te mal porque na visão deles não agregas nenhum valor, e só estás a fazer-lhes perdem time dos gajos. Eu já quis falar; era um trabalho da faculdade que queria expor no Núcleo de Arte: falei com um artista e negou, disse: “queres fazer o quê, sai lá sai lá vai falar com outros eu não quero tratar disso”. Então tens muito desse lado que infelizmente acontece por parte de alguns artistas. Eles não são abertos, ou não fazem com que a arte seja algo que faça com que as pessoas tenham essa abertura e por conta disso as pessoas ficam na de “Eh! Essas cenas mesmo não são para nós, nós não entendemos nada, nós não sabemos nada. Os brancos é que compram, os brancos é que são chefes e sabem das cenas”. Mas fazer o quê? É uma luta. 

Aprecio o facto de não estares só a filosofar acerca de tornar a Arte mais acessível ao público, assim como tens organizado eventos para esse efeito. Fale-nos um pouco do seu projecto Maputopias. 

Maputopias, acredito que não só para mim assim como para todos os envolvidos, foi um marco e foi algo muito importante. Infelizmente não teve um contorno big em relação a Corpo(ação) por estarmos a experimentar maningue cenas  e estávamos leves e não estávamos muito preocupado sobre as massas e, sim sobre a nossa experiencias e graças a Deus deu certo. Maputopias esteve envolvido eu e o nosso curador que chama-se Daisuke Kobayashi que é Japonês e posteriormente tivemos a Ana Raquel. E tivemos uma exposição que contava com três fases. De forma geral procuramos arranjar um espaço alternativo e o espaço escolhido foi o Hotel Carlton, em frente a ENAV no Bagamoyo – na rua que por coincidência estão lá as prostitutas – e quisemos envolver lá muitos elementos, primeiro porque esse hotel foi um dos mais bigs da época, mas hoje em dia é uma ruína e tens lá os quartos usados pelas meninas e escritórios, e tens espaços que podem ser alugados. 

Nós tentamos arranjar forma de usar tudo isso ao nosso favor, nós não queríamos estar ali apenas; quisemos fazer parte e que todas as pessoas que convidássemos ou quisessem nos visitarem percebessem a realidade: aquelas moças; a rua é conhecida por muita bandidagem, tem aquelas moças que batem aos que passam dali, principalmente meninas. Mas ao mesmo tempo isso são estórias e acontecem, talvez, pelo menos não vi acontecer. 

Nós próprios aprendemos muito sobre viver uma experiência e ouvir. No geral é sobre isso, foi muito sobre experiência, experimentação sobre trazer algo novo, a dinâmica da arte que acredito que está muito monótona: poucas vezes se criam experiências que fujam sobre ter uma tela com pintura, uma fotografia e, nós quisermos quebrar isso e só para ver nós fizemos três exposições em um mês: a cada semana mudava e não era uma exposição sobre fotografia, era uma exposição sobre arte, sobre escritura, sobre moda. Então foi algo muito big e histórico para nós e acredito que se tivesse sido big o suficiente seria algo que ficaria para história das artes em Moçambique – eu arrisco dizer isso. 


Qual é o seu processo na construção de narrativas e conceitos, considerando o que alguma vez disseste: “para mim a cada dia é uma chance de experimentar algo novo”?

Bem, para mim é fácil pois não é preciso ter o conceito todo definido mas o processo é easy, porque todos os dias todos nós estamos expostos a várias coisas e eu já sei muito bem quais são as coisas que me interessam. Eu sou uma pessoa observadora e estou sempre a procura de coisas que acho que dariam uma boa estória e que valeria eu abordar e também escuto muita música – que têm sido uma fonte de inspiração, músicas liricístas que abordam assuntos que através delas, tipo um título malta Castelos e Ruínas (Título de um álbum de Rapper Brasileiro Bk) que teve grande peso para eu construir a ideia de buracos na parede, porque as casas seriam castelos, neste caso específico e os buracos as ruínas e o título do álbum é mesmo esse “Castelos e Ruínas”. Escutar muito aquele álbum e vendo quase sempre buracos em paredes fez com que eu pudesse concluir esse processo do conceito, claro, isso depois, porque comecei assim mas através de conversa com um amigo ficou aquilo de que isso pode ser nice; porque uma coisa é fotografar, por exemplo, posso fotografar algo e depois criar conceito, criar uma base para aquilo. Assim como posso criar conceito e criar uma base com a fotografia, então não é linear como posso ter fotografado a três anos e hoje criar um conceito para aquilo.

Então eu vou apresentar tudo que posso, cores também: o que essa cor transmite, o que posso criar com essa cor; pessoas também: como essas pessoas vestem; a sociedade também: como somos vistos, como vejo a sociedade, como eu entendo a sociedade, como entendo as pessoas, como entendo o meu estilo de vida, os problemas que a sociedade tem… Tudo isso pensado acaba se tornando um bom conceito. 

Quanto mais fazes a cena, mais facilidade – não porque é fácil mas porque já estás familiarizado o suficiente para saber quais são os caminhos a trilhar – para criares uma ideia e avançar, para mim é sobre isso que estava a dizer: música, cores, pessoas e assuntos assim soltos. Por vezes aparecem-me ideias subitamente e depois desenvolvo ou algo que fiz ou vi e decidi estender e, é sobre isso que funciona do meu lado. 

Quais são os conselhos que daria aos novos artistas, tendo em conta tudo que já nos contou sobre as diferentes perspectivas e desafios no mundo das artes. 

Eu diria para qualquer pessoa que está a começar nesse ramo artístico para se permitir experimentar e não só tentar seguir uma linhagem que ele vê que pode se dar bem, eu diria permita para que tu possas se expressar, experimente muito, e com essas experiencias acredito que virá a sua identidade, a tua inclinação ao invés de começar a fazer algo e seguir um caminho. Mas explore todos os caminhos porque isso vai fazer com que tu tenhas uma visão melhor e maior sobre esse mesmo assunto, é que o que acontece é questão do comodismo de veres uma coisa e queres fazer porque é o que está bater e dá dinheiro, sem sequer ser algo que tens inclinação. Talvez és bom numa cena e não estás a fazer essa cena, então é maningue nice quando exploras e aí sabes no que és bom, sabes o que podes explorar melhor e sabes o que é bom para ti como artista mas tudo isso só é possível quando tu experimentas muito, és exposto a muitas coisas e isso vai te moldar como artista e como pessoa e o produto que vais produzir será consequência dessas experiências. 

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